sábado, 26 de maio de 2012

Tradição

Tradição 
“Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso fazer  falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da história e são, muitas vezes, mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a história.”
Sérgio Buarque de Holanda


Vemos, em várias culturas, a manutenção da tradição não só no aspecto arquitetônico e artístico, mas na cultura em geral. Lugar interessante para vivenciar este aspecto são os Mercados dos lugares que visitamos. Além deles, o contato com os nativos nos enriquece muito mais que as informações de um guia turístico. Nesta troca, são desvendados detalhes de suas riquezas mais longínquas e preciosas.
Assim, fiquei conhecendo um queijo envolvido, tal qual um bebê, numa faixa de algodão branco, a espera de um colo gourmet. Foi no Mercado do Bolhão, no Porto, quando fui apresentada a ele: o Serra da Estrela, nascido no século XII. Fiquei como uma criança ouvindo um conto, não ficcional:
...É o mais antigo dos queijos portugueses e dos mais afamados em todo o mundo. Fruto de um processo que vai além da simples técnica, a mão-de-obra utilizada nas queijarias é, na sua maioria, de origem familiar. Os segredos vão passando das avós para as netas, numa tradição secular.


Os produtores ainda mantêm os panos - que são faixas geralmente de linho ou algodão - que rodeiam o queijo e o ajudam a manter a forma enquanto fica a curar.

A Serra da Estrela serve de pasto às ovelhas "Bordaleiras Serra da Estrela" ou "Churra Mondegueira", que são consideradas como as de melhor aptidão leiteira. Para que o queijo atinja a qualidade desejada deve ser feito sempre da mesma ordenha. Atualmente, o fabrico do queijo e seu ritual são feitos de forma tradicional, como há centenas de anos. Os pastores saem com o gado de manhã e regressam ao fim da tarde. Mulheres e filhas fazem o queijo de acordo com as técnicas que as suas antecessoras lhes legaram. O pastor deve escolher cuidadosamente o pasto das suas ovelhas, pois certas ervas dão mau gosto ao leite. Todos os dias o pastor ordenha as ovelhas ao cair da noite, após o que a sua mulher prepara o leite para fazer o queijo.
Um pouco mais, através do vídeo: “Queijo com séculos de história”


“Os dois maiores presentes que podemos dar aos filhos, raízes e asas”.
João Bosco Cavalcante Araújo 

Sou filha de mineiro criado em fazenda, em Rio Casca, que levou para nossa família as tradições das Minas Gerais e da sua cultura pessoal. Ficava indignado com a química usada na agricultura e na produção em geral. Era um adepto da alimentação saudável.
Como acabei de citar o Serra da Estrela, isto me lembra o desconforto de meu pai com o queijo tipo frescal, que não é curado.
Certa vez resolveu fazer queijos, como os da fazenda, a partir do leite cru, não pasteurizado, de forma totalmente artesanal. Desenhou e encomendou formas de madeira para suporte lateral das peças que deveriam ficar em cima de uma bancada. 


A forma de madeira era idêntica a esta da foto de Zezeth Nicoliello

A madeira que o marceneiro usou não foi adequada, ou estava verde, e os muitos e muitos queijos, embora com excelente aspecto, ficaram amargos e foram para o lixo. Depois de tanto trabalho e desperdício de material.


Alimentação saudável e modernidade
“dize-me o que comes e dir-te-ei quem és”
 Savarin



À medida que as ciências avançam no universo da produção alimentar, há o conflito em torno da qualidade do que comemos.  O leite, a carne, o queijo, o vinho, todos foram objeto das “fraudes” modernizadoras. Mas as leis serão sempre mecanismos de regulação da competição, motivadas por produtos químicos adicionados à alimentação com o objetivo de melhorar o seu desempenho no mercado.
A própria idéia de “produto alimentar de qualidade” vai se afastando da noção limitada de “natural” e acaba se ajustando a essa nova realidade, onde qualquer coisa comercializada que deixe explícito o que é adicionado, subtraído ou substituído antes de ir ao mercado parece apta a ser incorporada. Carlos Alberto Dória

Queijo minas, não há mais?

Por Carlos Alberto Dória - Doutor em sociologia, pós-doutorando na Unicamp e professor universitário de Introdução à Sociologia da Alimentação.
O exemplo da intolerância histórica das autoridades sanitárias com o “queijo minas” feito com leite cru - como os mineiros crêem que deva ser e fazem há séculos - agora ameaçados de morte por uma possível proibição total do uso de leite cru em produtos lácteos.
Não é possível imaginar a França sem o seu camembert de leite cru. Ele se tornou um ponto de honra do orgulho nacional contra o abuso das negociações do Gatt, em 1993, que queriam abolir a comercialização mundial de queijos de leite cru. Os franceses se puseram em pé de guerra e venceram.
“Criei meus filhos com queijo de leite cru, e estão todos fortes, graças a Deus. O que esses caras de Brasília entendem de saúde?” Afora essa indignação do velho produtor, não nos parece grave ficar sem o queijo do Serro, o queijo da Canastra ou o queijo de Araxá - todos “queijos minas” de leite cru, produzidos em várias microrregiões do Estado de Minas Gerais. Se fosse grave, estaríamos em pé de guerra como os franceses. Matar um produto tradicional, apreciado, equivale a liquidar parte do nosso prazer ao comer e nos empobrece culturalmente.
Mas governo não é coisa uniforme; não raro, é desorientador. Enquanto, com uma mão, tomba o queijo do Serro e o declara “patrimônio nacional”, com a outra nega aos produtores o registro do serviço de inspeção sanitária (SIF) para o produto circular nacionalmente.
Ao se cozer o leite, elimina-se microorganismos únicos e se perde a especificidade do produto.
Para escapar a essa morte, o “queijo minas” de leite cru sai de Minas Gerais para uma longa viagem ilegal, clandestina, cheia de peripécias que envolvem a polícia, o fisco e o mercado informal das grandes cidades. Como pensar e fruir o “patrimônio nacional”, se ele está condenado à clandestinidade?

Felizmente, ainda há...

"É mais que um alimento, é uma expressão profunda da nossa forma de vida"
Kátia Karan, do movimento Slow Food

Vídeo: queijo Minas – a paixão de todo mineiro

Queijo Canastra e Serro

Mas, e os queijos artesanais da pequena produção camponesa?
Surge, então, o mercado informal desses queijos, nas próprias cidades e entre Estados. "São produtos que não se enquadram na forma da lei e isso não quer dizer que eles tenham problemas. Ilegal é narcotráfico".
 Clóvis Dorigon, pesquisador da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina).



Lendo esta semana uma reportagem sobre sustentabilidade, contaram a história de um cidadão que contribui para a distribuição de alimentos a pessoas que moram em outro local, reduzindo a distancia entre produtor e consumidor, realizando o que entendidos do assunto chamam de circuito curto de distribuição.  É o elo entre os pequenos produtores de Serra Negra e os comerciantes de Maringá. Sem saber, contribui para diminuir um dos grandes desafios do planeta: a distribuição de comida.
Ele é um tropeiro...





Jean-Baptiste Debret desenhou também os tropeiros conduzindo longas filas de muares, ou tocando boiadas / Aquarela sobre papel 'Carvão' - Rio de Janeiro, 1822

O ir-e-vir do tropeiro

...E começou fazendo o percurso ainda pequeno com o pai, também tropeiro, levando frutas para as vendas de Itamonte (MG).
A preparação para a viagem começa às 4h da manhã: primeiro ele cuida dos animais, depois lava as peças de queijo com água filtrada para colocá-los nos canudos de madeira (feitos por artesãos locais), ensaca doces, geléias, o mel e ovos caipira. Põe os produtos nos balaios de palha, que são pendurados nos ganchos das selas.
Estes produtos são comprados das famílias que moram em Serra Negra que, dificilmente, conseguiriam escoar a produção não fossem suas viagens semanais. Em cada viagem fatura pouco mais de um salário mínimo.
Vídeos: Tropeiros do parmesão
Parte 1
Parte 2



 O tropeiro leva seis horas para chegar a Maringá com seus produtos 

Legislação não favorece pequeno produtor

A viagem semanal dos tropeiros de Serra Negra é um exemplo do circuito curto de distribuição de alimentos, defendida pelo professor Renato Maluf, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ele acredita que em um país de dimensão continental como o Brasil não se justifica que as mercadorias percorram longas distâncias do produtor ao consumidor.
Para o professor, que já foi presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar, reduzir a distância entre as duas pontas da cadeia produtiva de alimentos é apostar, sobretudo, na economia de energia. Além disso, distribuição regional significa, para ele, fortalecimento e valorização do pequeno produtor, mas também incentivo à criação e manutenção dos pequenos comércios locais, importantes para gerar postos de trabalho.
Ele ressalta, no entanto, que a transição ao circuito curto exigirá alguns ajustes. A começar, pela legislação do setor que não favorece a produção artesanal.
— Ninguém quer que o consumidor seja exposto a riscos, mas na produção de queijo, por exemplo, não se aceita leite sem ser pasteurizado. Os pequenos não podem ter este equipamento. A legislação deveria prever a produção artesanal — disse o professor, que destaca ainda que falta assistência técnica para os produtores artesanais.


E agora?


Vinte anos depois da conferência internacional Eco 92, a Rio+20 reunirá os líderes de todo o mundo para fazer um balanço do que foi feito nas últimas décadas e discutir novas maneiras de recuperar os estragos que já fizemos no planeta.
 As alternativas para diminuir os impactos humanos na terra não é responsabilidade apenas dos governos. É nossa também.

“Se você pudesse construir o futuro, o que você gostaria de 
fazer?”


Esta é a pergunta fundamental que as Nações Unidas fazem à sociedade civil na campanha 
“O Futuro que Queremos”.

Preservar os processos seculares de produção desses queijos que carregam valores culturais e históricos. Isto, através de parcerias ou cooperativismo e da capacitação.  Com programas desenvolvidos através, ou não, do governo federal para que o setor esteja cada vez mais organizado, qualificado e pronto para atender ao mercado de consumo.
No caso dos tropeiros: que eles continuem o seu trabalho, mas sem o risco que correm.
Maria Célia

Participe da campanha "O Futuro que Queremos"
O que você sonha para você, sua família e sua comunidade? O que a vida seria se você pudesse moldá-la? Todos nós temos sonhos e aspirações, e idéias de como fazer um mundo melhor. Nós acreditamos que existe um enorme poder ao dividirmos essas idéias. O Futuro que Queremos é um diálogo global para construir o futuro através de uma visão positiva do amanhã.
§  Visite o sítio da campanha www.futurewewant.org (apenas em inglês) para compartilhar suas idéias.
§  Acesse aqui o kit de conversação com mais informações sobre a campanha em português e como participar dela.





10 comentários:

  1. Não sei se parabenizo ou agradeço por esta maravilhosa postgem.
    É que sou serrana, e não só fui criada comendo queijo como continuamos a usá-lo diariamente em casa. Não existe nada igual a um queijo "da roça" com goiabada, também caseira.
    Isso é a expressão do meu sentimento:
    "É mais que um alimento, é uma expressão profunda da nossa forma de vida"
    Agradecida.

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  2. Adore queijo que cada culture permaneça com suasion tradiçōes. Eu já estou fazed Algo para amidst a mudar mostrando com o blog que devemos ter mais responsabilidade no trânsito, educação, beijo Lisette.

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  3. Querida,
    Cadê você?
    Anda comendo muito queijo e esquecendo as amigas?
    Eu, que amo queijos, fiquei aguando ao ler sua postagem.
    Uma semana abençoada para você.
    Beijos.

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  4. Uma reportagem ou antes crónica completa sobre o queijo. ADOREI!
    Também eu gosto da tradição que é ou deve ser as nossas raízes como pessoas,cidadãos de um país e de uma determinada terra.
    Gosto muito do Serra da Estrela, o melhor dos nossos queijos e, possivelmente, um dos melhores do mundo.
    Saber a história daquilo que se come, acho fantástico! E tu fizeste isso de um modo extraordinário. Enriquecedor. Parabéns!
    Tenho um blog onde aí recolho também as raízes e as histórias da minha terra. Estou a escrever um livro sobre a minha vivência com os meus pais ,amigos e, sobretudo, na terra que me viu nascer: Quelimane.
    Dei uma trégua agora à escrita para descobrir outros amigos.
    Um blog, na minha opinião, deve ser a expressão da nossa alma.
    O amigo virtual pode conhecer-nos assim de um modo transparente e verdadeiro.
    Beijo e...voltarei.
    Graça

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  5. Amiga!

    Linda, linda a frase de Sérgio Buarque de Holanda... e que verdadeira!

    Estou passando para lhe deixar um abraço e para lhe agradecer pelo carinho imenso.

    Beijo no coração

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  6. Amo queijo, todos.

    Essas peças de queijo me lembram minha mãe e meu pai, que compram essas peças para ralar e colocar em cima dos pãezinhos de delícia como chamamos aqui, foram nosso sustento e eles até hoje fazem.
    Adoro roer um queijinho, adoro pãozinho de minas...Humm que vontade que deu :)

    Qto a mudar o mundo, hj meu post fala disso, vai lá conferir.

    Bicudinhas, sementinhas, brisa, sol nas asas e meu carinho.

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  7. AMEI AMEI tudo aqui, muito legal, to te seguindo. Fiz uma Nova postagem sobre nossa casa, a importancia de cuidar de algumas coisinhas. Da uma olhadinha ?! http://grandeigualdavi.blogspot.com.br/

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  8. Postagem sobre signos, da uma olhadinha ok?!
    http://grandeigualdavi.blogspot.com.br/

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  9. É verdade, nem sempre eles tem a ver ne ?! Mas, com relação a trauma de pai, é na maioria das vezes, não são todas as pessoas que tem. Um grande abraço, depois volta para ver sobre as plantas. Um grande beijo
    http://grandeigualdavi.blogspot.com.br/

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